Uma Vida que Funcione

Advice for the young at heart

Soon we will be older

When we gonna make it work?”

A música de 1989 do Tears for Fears para os “jovens de coração” lembra a todos que em breve seremos mais velhos e propõe uma questão àqueles que pretendem envelhecer. Até porque, a alternativa ao envelhecimento não é nada animadora. Mas, afinal, quando faremos a vida funcionar? E o que seria uma “vida que funciona”, como a aconselhada nos versos?

Uma possível resposta a essa questão pode estar da afirmação do psicanalista Contardo Calligaris, num trecho de uma palestra divulgada pela Revista Vida Simples em setembro de 2021, na qual o psicanalista, falecido em março do mesmo ano, declara que “o sentido da vida está na vida concreta, no que é vivido a cada dia”.

Viver a cada dia, contudo, não significa necessariamente viver ao sabor dos ventos, mas a partir da identificação de um norte que oriente o sujeito em seu cotidiano, permitindo que a vida ocorra no aqui e agora e conectada a uma perspectiva futura alinhada a objetivos definidos por desejos e necessidades. Em outras palavras, identificar “onde e como desejo chegar?” Buscar respostas a esta questão pode ser um caminho para estabelecer a jornada do envelhecimento de alguém, mesmo que a solução desse enigma seja algo complexo, imprevisível e sujeito a inúmeras transformações ao longo do caminho.

Neste sentido, pesquisar e estudar o processo de envelhecimento a partir da experiência daqueles que já viveram mais de 60 anos pode ajudar a significar as ações temporais e cotidianas das gerações mais novas, colaborando criticamente com o ato de envelhecer, permitindo que a chegada à senioridade não impacte a vida da pessoa de forma drástica e viabilizando algum conforto àqueles que se preparam para esse processo natural da vida, mesmo que sem garantias.

Entender como se sentem aqueles que já viveram boa parte da vida em relação ao que idealizaram, ou não, quando jovens, poderá ajudar a identificar aspectos que facilitem o processo de envelhecimento das gerações que ainda têm, supostamente, muito a viver.

A médica geriatra especializada em cuidados paliativos Ana Claudia Quintana Arantes, no livro “A morte é um dia que vale a pena viver” (2017) cita diversos relatos de pessoas que, ao chegarem ao final da jornada, percebem que deveriam ter “levado a vida” de outra forma. Como sensibilizar as pessoas mais jovens sobre esse fato muito antes dele ocorrer? Haveria aspectos de personalidade e capacidades cognitivas implicadas na forma de se escolher a forma de “levar a vida”?

Olhar para o futuro pode permitir que as escolhas possam ser realizadas a partir de perspectivas mais engajadas. A escolha do trabalho e da fonte de renda pode ser feita considerando-se aspectos além da garantia financeira. Essa escolha pode permitir autonomia e independência, seja nas fases da vida mais produtivas quanto no futuro, assim como pode estimular que a atividade humana seja uma forma de incluir-se no mundo em qualquer momento da vida. Olhar para a saúde, os relacionamentos e os estudos são outros aspectos que podem influenciar a manutenção do caminho do envelhecimento.

Além desses pontos, olhar criticamente para onde o mundo caminha é tão importante quanto garantir no trabalho escolhido uma fonte de prazer, status e experiência. Afinal, como será envelhecer numa sociedade onde a produção industrial e os serviços estão sendo transformados pela automação, pela robótica e pela inteligência artificial, onde o aumento da produção opera na mesma intensidade da redução do emprego para as pessoas em idade ativa, afetando a todos e em qualquer momento da vida?

Profissões tradicionais já sofrem mudanças estruturais e carreiras inimagináveis atualmente serão criadas, transformando a relação com o trabalho e com o futuro. Como lidar com todas estas transformações e estar preparado para a vida após os 60 anos?

Acresça-se a esses aspectos as políticas públicas, que deverão ser adaptadas para garantir programas de envelhecimento ativo, manutenção do mercado de trabalho, saúde assistida, estímulo da autonomia e renda mínima para a população, além de uma revisão no modelo de previdência pública, já incapaz de atender às necessidades de uma população que envelhece em maior quantidade e por mais tempo. Dados da PNAD (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios) Contínua, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), publicados em setembro de 2022, demonstram que a população brasileira está estimada em 212,7 milhões de pessoas (2021), sendo 14,7% (31,2 milhões) delas com 60 anos ou mais. De acordo com a ONU (Organização das Nações Unidas), esse número, no Brasil, será de 30% em 2050. Como será a velhice dessa população?

Os desafios são imensos, mas observamos pessoas que se prepararam para envelhecer enquanto outras não o fizeram. Estudar as características daqueles que se estruturaram financeira, comportamental e psicologicamente para essa fase da vida poderá ajudar na identificação de aspectos a serem trabalhados e estimulados junto às gerações mais novas.

Uma pesquisa interdisciplinar relacionada ao processo de envelhecer e a elaboração de material de pesquisa consistentes podem gerar recursos que provoquem nas pessoas uma reflexão que as auxilie no estabelecimento de estratégias pessoais associadas à saúde, carreira, relacionamentos, qualidade de vida, finanças ou lazer, assim como no suporte às políticas públicas relacionadas ao envelhecimento.

Questões precisam ser respondidas, tais como:

  • Como os idosos de hoje lidaram com o planejamento de suas vidas e se prepararam para o envelhecimento? Onde acertaram? E onde não?
  • Quais as características de personalidade e habilidades cognitivas daqueles que se prepararam para a vida após os 60 anos?
  • Como as tendências e mudanças tecnológicas impactam o envelhecimento?
  • O que os idosos recomendariam a si próprios caso pudessem enviar uma mensagem aos jovens que foram aos 25 anos?
  • Como idosos de países com IDH (índice de Desenvolvimento Humano) acima de 0,900 se preparam? (o Brasil ocupa a 87a posição no ranking entre 191 países, com o índice de 0,754);
  • Há diferenças nas políticas públicas de welfare state e conscientização sobre o envelhecimento nos países com IDH no topo da tabela?
  • Quais elementos precisarão estar no radar das pessoas durante o processos de envelhecer?

Espera-se que aqueles que queiram planejar de alguma forma seu futuro, apesar de toda a incerteza relacionada a esses planos, que atribuam ao presente uma ação consciente que lhes permita renunciar a alguns prazeres imediatos, mesmo que com algum custo, de forma a garantir um futuro em melhores condições.

Daniel Kahneman, psicólogo e professor universitário israelense radicado nos Estados Unidos, um dos fundadores da “economia comportamental” e o primeiro não-economista a receber o Nobel de Economia, em 2002, defende, no que chamou de “Teoria da Perspectiva”, que as pessoas são guiadas pelo “impacto emocional imediato de ganhos e perdas, não por perspectivas de longo prazo de riqueza e utilidade global”. No livro “Rápido e devagar: duas formas de pensar” (2011), Kahneman define como as pessoas decidem entre alternativas contrárias. Ele e o também psicólogo Amos Tversky desenvolveram uma análise, baseada na psicologia cognitiva, sobre como indivíduos escolhem entre alternativas que envolvem, direta ou indiretamente, probabilidades de resultados incertos.

Aplicando esta teoria à questão do envelhecimento, pode-se avaliar por qual razão seria importante para alguém reservar parte de seus ganhos no presente para ter uma vida mais tranquila no futuro, o conceito da previdência. Entenda-se por ganhos, neste caso, quaisquer aspectos relacionados a uma melhor condição de envelhecer. Seja na saúde, com a prática de exercícios físicos, check-ups periódicos e alimentação balanceada, na carreira, com o interesse pelo estudo continuado e adequação de habilidades que permitam a manutenção da empregabilidade e nas finanças, com o planejamento financeiro através de mecanismos de controle de gastos e manutenção de renda futura.

Uma vez que não há garantias de que viveremos o tempo que estimamos ou gostaríamos, por qual razão deixar de ter um prazer imediato em benefício de algum potencial conforto futuro? Não há resposta objetiva e segura a esta pergunta no presente, mas pesquisar qual a satisfação dos idosos hoje sobre terem escolhido, ou não, esse caminho, poderá iluminar as razões pelas quais jovens e pessoas de meia-idade possam desenvolver formas de pensar e planejar suas carreiras, finanças e saúde. A questão aqui é saber quem quer correr esse risco? Lembrando sempre que riscos são ameaças, mas também oportunidades.

Autor: Edson S. Moraes

Mestrando em Ciências do Envelhecimento, consultor de estratégia e conselheiro empresarial.

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